segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Sobre curvas e fontes

Mãe, você é tão sábia! Em tantas coisas me espelho em você: na criatividade de alimentar os filhos com quase nada, e fazer de uma polenta sem molho um almoço especial. Flor de abóbora à milanesa com arroz, porque nem carne havia... Chá de manjerona, nem leite, nem café, nem chazinhos de bebê...
Outros momentos me fazem chorar: A gente trancado no quarto, você e nós, as crianças, você abraçando a gente e chorando, o pai ameaçando todo mundo do lado de lá... Era uma época em que a gente implorava pra você se libertar, e contigo, a gente, de tantas palavras e gestos rudes e maus. Como crianças podem entender os medos de uma mamãe que precisa fazer o possível para manter seus 4 filhos? Não cabia no nosso universo o medo, a insegurança que te assaltavam. Muitas vezes, depois de grande, fiz esse mesmo caminho. Chorei abraçada aos meus pequenos me sentindo presa, sem saída. Como você. Dizem que os elefantes de circo podem ficar presos numa fina cordinha. Mesmo com a força descomunal, estão tão acostumados ao pequeno cercado, e têm tanto medo "do castigo", que a pequena e ridícula cordinha é suficiente para imobilizá-los.
Você é a heroína favorita de todas as minhas crônicas e contos. Quase tudo eu posso tocar, pois é real, e, embora nem tudo que é real se pode tocar (veja o ar, por exemplo), a nossa história está aí, em marcas e cicatrizes. Você é minha heroína, vejo você de guarda-chuva dentro de casa, com o Marco no colo, chuva que Deus mandava, eu e os manos embaixo da toalha de mesa, no beliche. 
Mãe, onde você desistiu? Em que parte da curva da sua estrada você desanimou, diz pra mim. 
Você continua sendo a minha heroína, a minha musa, a minha inspiração, mas não entendo, algo dentro de você já não é mais igual. 
Cansaço... um cansaço muito grande vem de ti. Aquele monturo ao teu redor é como uma repulsiva maneira de dizer: "Me deixem. Vim até aqui mas não quero dar nenhum passo mais. Não quero mais ar puro, me acostumei com a escuridão, o ar úmido e viciado dos meus porões. Desisti."
Eu sei... parece aquela garota que ficou refém de um homem, 18 anos presa num porão. A primeira luz da liberdade cega os olhos, e depois vem a parte mais difícil que é reaprender a gostar de viver. A assustadora sensação de pisar a terra fresca. Assustadora, mas instigante, desafiadora, criativa.
Se um dia você lembrar da sensação de liberdade, e quiser deixar pra trás tudo o que machuca, eu te prometo, vai ser doloroso, mas bom. 
Mãe, the sun, comes everyday, don't forget it.
Love U.

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