quinta-feira, 1 de março de 2012

As tampas órfãs?

Meu nome é Carla e, sim, sou colecionadora de tampas órfãs. Elas estão ali, no armário da cozinha, na parte destinada aos potes plásticos. E estão órfãs. Não há potes para elas. Não sei como isso sempre acontece comigo! Sempre me acho cuidadosa com meus potes e suas tampas mas, quando me dou conta, novamente, as pequenas tampas estão solitárias, órfãs, sem seu pote-par. Por outro lado tenho que admitir que também ali estão potes sem tampa. Foram perdidas em algum lugar da batalha cotidiana. Algumas, usadas como base para potes de flor. Outras, destino menos digno: potinho de veneno pra ratos ou baratas. O fato é que "desparceiraram" seus potes. Potes sem tampa, tampas sem potes. Aparentemente, nada combina. Lembra daquele ditado, dito em tom confidente pelas tias e avós, quando se chegava, antigamente, na casa dos 18, 20 anos? "Cada panela tem sua tampa". Parece que tudo está salvo se o encaixe parecer perfeito. Eu aprendi, com meus potes e tampas desparceirados, que mesmo aquilo que não faz sentido, mesmo aquele encaixe inusitado, funciona, protege o que está dentro, valoriza a diversidade das formas.
Daí que a parábola das tampas e dos potes leva-me para muitos lugares. Quero pensar que não existem casais "perfeitos", onde tudo sempre se encaixa, mas existe a união inusitada baseada em paixão, lealdade, confiança, e outros tantos encaixes inusitados que por fim fazem o improvável dar certo.
Pensei também que, pensando nos relacionamentos humanos, não existe fechamento hermético, tipo Tupperware. Existe, e precisa sempre existir o espaço da alegria e do improviso, pois o final, oh, grande surpresa!!! Não é que tudo deu certo, mesmo??
Continuo desparceirando potes e tampas. Eis o mistério filosófico e vivencial no qual volta e meia me envolvo: para onde vão aqueles que agora não estão aqui na pilha mais ou menos organizada? Mas confio na capacidade, vontade e criatividade de unir os improváveis potes e fazer os frágeis pontos de encaixe realizarem o milagre.
Tampas desconectadas do pote original. Mas não tampas órfãs, definitivamente, não.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Deeper and deeper

Hoje vi o que me magoa o que fere, fundo mesmo
percebi um algo que havia me escapado até ontem
na verdade, já havia olhado, mas não havia visto.
como algumas coisas são para poucas pessoas
tudo tem um preço nada vem de graça, nada mesmo.
Bah, não é nada disso que eu quero falar
quero voltar aos meus 4, 5 anos a gente morava no depósito de algum mercado.
Aquilo era gigantesco, a gente brincava sobre os sacos de arroz e farinha
Foi ali que pisei no prego, e fui parar no plantão, antitetânica e colo de mãe.
Mas houve uma vez em que fiquei sozinha, desgarrada dos irmãos e da família
um "tio" veio de bicicleta prestar algum serviço no depósito.
Eu tava brincando com a Late-Lulu
Quantos anos fugindo dessa lembrança triste.
Mas hoje eu queria libertar todos os fantasmas, e o "tio" da bicicleta é o primeiro da lista
me chamou para dentro do depósito de bebidas. Disse que se eu fosse boazinha, ganharia um refri só para mim. Foi uma proposta tentadora, irrecusável. Ter um refri só para mim. Ah, e boazinha, era o meu forte! Todo mundo gostava de mim.
Ele abriu a garrafa, e colocou dois canudinhos. Não dá pra fingir bloqueio emocional, essas paradas, pois eu lembro de tudo.
O refri estava na mão dele. Até onde me lembro, era um sujeito magro, com a pele curtida de sol, um senhor nos seus 40, 45 anos, chapéu na cabeça. Segurou a garrafa na mão, uma preciosidade para mim, que tomava refri só no natal e nos aniversários da família. Agora teria uma garrafinha só para mim. Era só ficar quietinha e ser boazinha com o tio. Que mal havia nisso???
Não olho filmes de horror. Tenho meus próprios fantasmas, meus próprios horrores. Tinha medo do escuro (hoje fico tranquila ali), mas tenho mais medo do que pode me tocar e ferir. De frieza e palavras que machucam. O passado é um velho fantasma que muitas vezes vem me visitar. É como uma ferida antiga. Ela sara, mas a cicatriz sempre está ali, e você não precisa nem olhar pra ela pra saber como ela chegou a fazer parte da sua vida, entrar na sua pele.
É como um feitiço que, para ir embora, precisa ter o seu nome pronunciado, mas só o nome, só de PENSAR  no nome, a coragem se desfaz, a memória fica borrada, o melhor é sentar num cantinho e esperar passar a dor. Alguém vai dizer: isso não foi nada, ou: isso foi há tanto tempo. Eu vou responder: isso foi definitivo.
O pôr do sol estava lindo hoje, pura poesia... aliás, por que as crianças não empinam mais pipas?...


segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Sobre curvas e fontes

Mãe, você é tão sábia! Em tantas coisas me espelho em você: na criatividade de alimentar os filhos com quase nada, e fazer de uma polenta sem molho um almoço especial. Flor de abóbora à milanesa com arroz, porque nem carne havia... Chá de manjerona, nem leite, nem café, nem chazinhos de bebê...
Outros momentos me fazem chorar: A gente trancado no quarto, você e nós, as crianças, você abraçando a gente e chorando, o pai ameaçando todo mundo do lado de lá... Era uma época em que a gente implorava pra você se libertar, e contigo, a gente, de tantas palavras e gestos rudes e maus. Como crianças podem entender os medos de uma mamãe que precisa fazer o possível para manter seus 4 filhos? Não cabia no nosso universo o medo, a insegurança que te assaltavam. Muitas vezes, depois de grande, fiz esse mesmo caminho. Chorei abraçada aos meus pequenos me sentindo presa, sem saída. Como você. Dizem que os elefantes de circo podem ficar presos numa fina cordinha. Mesmo com a força descomunal, estão tão acostumados ao pequeno cercado, e têm tanto medo "do castigo", que a pequena e ridícula cordinha é suficiente para imobilizá-los.
Você é a heroína favorita de todas as minhas crônicas e contos. Quase tudo eu posso tocar, pois é real, e, embora nem tudo que é real se pode tocar (veja o ar, por exemplo), a nossa história está aí, em marcas e cicatrizes. Você é minha heroína, vejo você de guarda-chuva dentro de casa, com o Marco no colo, chuva que Deus mandava, eu e os manos embaixo da toalha de mesa, no beliche. 
Mãe, onde você desistiu? Em que parte da curva da sua estrada você desanimou, diz pra mim. 
Você continua sendo a minha heroína, a minha musa, a minha inspiração, mas não entendo, algo dentro de você já não é mais igual. 
Cansaço... um cansaço muito grande vem de ti. Aquele monturo ao teu redor é como uma repulsiva maneira de dizer: "Me deixem. Vim até aqui mas não quero dar nenhum passo mais. Não quero mais ar puro, me acostumei com a escuridão, o ar úmido e viciado dos meus porões. Desisti."
Eu sei... parece aquela garota que ficou refém de um homem, 18 anos presa num porão. A primeira luz da liberdade cega os olhos, e depois vem a parte mais difícil que é reaprender a gostar de viver. A assustadora sensação de pisar a terra fresca. Assustadora, mas instigante, desafiadora, criativa.
Se um dia você lembrar da sensação de liberdade, e quiser deixar pra trás tudo o que machuca, eu te prometo, vai ser doloroso, mas bom. 
Mãe, the sun, comes everyday, don't forget it.
Love U.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Minha caixinha de segredos

Eu tinha um caixinha, dessas que a maioria das adolescentes e jovens tinha, naqueles tempos. Guardava com carinho papeis de bala que representavam momentos especiais: uma comemoração de prova na escola, o primeiro namorado, um vidro de perfume especial, uma foto que se destacava, não pela beleza, mas por haver eternizado um daqueles momentos que não voltam nunca mais.
Na faculdade guardei nela o bilhete do homem que foi o primeiro. Um poema de Neruda e um "Te quiero mucho bien" ao final. Guardava os bilhetes de alguém que flertou com versos de Cantares. Sedutor e romântico. Guardei o ticket do show dos Titãs. Era uma preciosidade, minha caixinha.
Houve um dia alguém que me disse: ou essas bobagens todas, ou eu.
Como foi fácil livrar-me de tudo, como se faz uma grande fogueira de entulhos. De repente, tudo foi redimensionado. Precisava fazer uma troca - pensei - para ficar com meu grande amor.
Hoje tenho minha caixinha na memória. Sinto saudade de tudo o que ali estava, e que me levava a lugares belos, a abraços ternos, a momentos de amizade, mas também de paixão. Às vezes penso em recomeçar a caixinha, ou o scrapbook. Tenho tantas histórias guardadas, definitivamente, elas não cabem aqui nesse ciberespaço. Preciso tocá-las e sentir-lhes o cheiro, ser tomada pelas lembranças, risos e lágrimas. Hmmm, melhor decidir e fazer... right now!

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Distração

Envolvida com as coisas, com a casa
Distraída com os livros, a agenda, 
os apontamentos do hoje e do amanhã
Apavorada, às vezes, de que as ameaças 
deixassem de ser palavras - medo de morrer atropelada
morte encomendada
Distraída com meu novo eu
meu novo cabelo, comprimento sem fetiche
Fico pensando...
Sim, foi pura distração
me pegou desprevenida
Achei que estava com tudo sob controle
A casa, o carro, o trabalho, o coração
Achei que eram só borboletas no ventre
Amor...
Meu sentimento é só meu, 
não se sinta poderoso, não vá achando que me tem
Meu sentimento, ele me pertence, it's my power
Certo, chegou desaforado, me pegou desprevenida
Mas estou no centro do meu eu
Minhas lágrimas são só minhas
A delícia de estar contigo, guardo para mim
É como um copo de água pura e fresca
Beberei até me fartar
Vou rir e chorar até o fim...

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Pour Moi

Foi isso que eu fiz no final de 2011. Uma tatoo, representando azaléias, flores da paciência e da temperança, e também a expressão francesa "Pour Moi", "por mim".
Uma afirmação e um desejo. De cuidar de mim. de não ser mais submissa. De achar meu centro, de estar segura do meu EU. Pensando bem, deveria ter tatuado na testa, ou no coração, assim, toda vez que me olhasse no espelho, lá estaria a frase, quase uma pergunta: "Isso, Carla, isso que você está fazendo agora mesmo... ce's pour toi???"
Descobri que minha tatuagem é como um monolito colocado em lugar visível, marcando o final de uma grande batalha. Ebenézer, disse Josué, e marcou o lugar da vitória com uma pedra. Evidente que a pedra não resolveu tudo. Não respondeu todas as perguntas, todas as dúvidas do coração. Muitas coisas ficaram como as novelas de antigamente, lembram, que, ao encerrar o capítulo do dia, a gente tinha uma prévia das cenas do próximo capítulo. Um chamarisco, diria minha amiga Janine.
Pour Moi foi meu monolito. Não é uma solução mágica. De repente me pego abrindo mão do meu eu, com tanta naturalidade como antes. Não se ensinam truques novos a um cão velho, diz o ditado. É verdade, mas a contingência faz a gente aprender novos caminhos.
Pour Moi... qual o preço que tenho que pagar pra defender meu eu??